Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria do SITRAEMG
É de conhecimento público que passamos por um processo “global” de “ minimização dos Estados”, ou seja, todos , senão quase todos os países que importam, exportam e que tem o “ capital” como fonte de governabilidade estão tendo que se adequar a realidade do “Estado Mínimo” e não é diferente aqui no Brasil.
O Governo do Presidente Temer ( que assumiu o Poder depois de se aliar ao PSDB para derrubar a Presidente Dilma através do conhecido e desgastante processo de impeachment), com apoio de muitos aliados no Congresso Nacional deixa clara a mudança de paradigma no que tange a implementação de um modelo de “ enxugamento de gastos públicos”.
Muitos de nós, sob a viseira do “combate a corrupção” acreditamos que a queda de Dilma, naquele momento, seria bom para o país e que qualquer um que assumisse a presidência seria melhor que ela. Poucos de nós, agora, tem a coragem de vir a público e dizer que talvez, naquele momento, aquela não teria sido a melhor solução.
Ocorre que uma visão mais global desse cenário macroeconômico de necessidade de ajuste fiscal e enxugamento da máquina estatal não estará mais adstrito a governos com posicionamentos de esquerda ou de direita. Todos os novos governantes terão que se adequar a esta realidade, uns com posições mais cruéis (como o caso do Governo de Temer, com apoio do PSDB, PMDB, além dos partidos literalmente comprados pelo Governo) e outros, talvez, com medidas menos agressivas, mas também fortes (um eventual governo de Lula, caso não se torne inelegível por ocasião da condenação na Lava-Jato).
De uma forma ou de outra, o cenário de corrupção e “escárnio” não nos parece que vai acabar. Estão aí, a toda evidência, decisões de Ministros do STF que escandalizam toda a sociedade ( casos de suspeição evidentes); imoralidade pública do Presidente da República ( áudios amplamente divulgados aos brasileiros sobre as escusas ligações do mais alto mandatário do país com práticas criminosas); julgamento no TSE da cassação da Chapa Dilma/ Temer ( talvez o maior dos escárnios) ; condutas de atuais representantes do Povo no Congresso Nacional ( Projetos de Lei que os conferem ainda mais prerrogativas) e o notório enfraquecimento do serviço público. E os banqueiros, grandes industriários, do lado de lá, com a “ boca bem aberta” aguardando a melhor parte do filé que lhes foi prometido.
Infelizmente, não podemos nos iludir que algum “salvador da Pátria” nos devolverá o status quo ante, ou seja, os salários dos servidores públicos não serão mais tão bons quanto antes. Basta observar como as grandes Centrais Sindicais estão se manifestando contra a Reforma Trabalhista; Reforma da Previdência etc. Estamos sem lideranças, pois os eventuais candidatos à próxima eleição querem pegar o Estado enxuto e nisso estão de acordo.
O que os servidores públicos que, hoje, se veem amordaçados, paralisados e impedidos tacitamente de lutar (STF decidiu pelo corte de ponto mesmo antes de discutir a legalidade do movimento) poderão fazer?. O que está ao alcance daqueles para tentar manter um mínimo razoável de “padrão de vida” nesse cenário caótico de 20 anos sem reajuste (EC 95/2016 que impõe limite de gastos).
Dizemos 20 anos sem reajuste, pois quem acredita que quando a economia melhorar eles vão dar prioridade para o reajuste dos servidores? Os Ministros do STF que foram nomeados pelos sucessivos presidentes reivindicarão reajuste para os servidores do Poder Judiciário?
Como já dito outrora, observem-se que inúmeras carreiras tem o “bico” como saída ao problema econômico mundial do qual o Brasil não conseguiu fugir. Policiais fazendo bico de segurança; médicos dando aulas em Universidades particulares; Juízes escrevendo livros e dando aulas; servidores lecionando e trabalhando em outras atividades informais etc.
Nesse sentido, a possibilidade de “advogar” contra a fazenda que não o remunera é uma das soluções para quem tem que pagar suas contas, manter a qualidade de vida dos seus familiares e não precisar se desligar totalmente do serviço público federal.
É de conhecimento amplo que, aos servidores púbicos do Judiciário Federal é vedado (de forma total e absoluta) o exercício da advocacia, consoante o que se depreende do art. 28, inciso IV, do Estatuto dos Advogados do Brasil:
“Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:
(…) IV – ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro; “ ( grifamos)
Observem-se que a lei “restringe” de tal maneira que, independentemente de proximidade com as atividades estritamente jurisdicionais, bem como o fato de atuarem na Justiça Eleitoral, Trabalhista, Federal são irrevelevantes para o legislador infraconstitucional. Desse contexto sobrevém as seguintes indagações:
- O tratamento discriminatório dado aos servidores do Judiciário é razoável?
- A vedação imposta de forma total e absoluta é proporcional?
- O fator discrime, ou seja, o fator de desigualdade justifica a desigualação com outros servidores de outros órgãos?
- A Lei faz restrição permitida no texto Constitucional?
- O exercício da Profissão, após a conquista do certificado de aprovação na OAB pode ser mitigado por simples vontade legal?
- Quais os critérios (exposição de motivos) do Legislador infraconstitucional para fazer a referida vedação de forma total e absoluta?
A nosso sentir a incompatibilidade do artigo 28, IV do Estatuto da OAB, imposta aos servidores do Judiciário, deve ser declarada inconstitucional. Isso porque, a incompatibilidade restringe o exercício total da advocacia, o que se mostra totalmente desarrazoado.
A incompatibilidade prelecionada no Art. 28, IV, do Estatuto da OAB, proibição total da advocacia, a nosso entender não encontra amparo nos princípios – proporcionalidade e razoabilidade (norteadores da aplicação da lei em relação aos direitos considerados fundamentais), devendo ser observados em sua máxima extensão em todo e qualquer âmbito de incidência jurídica.
Quando se pensa em restringir o exercício de determinada profissão, deve-se fazê-lo pelo meio menos gravoso e sob ponderações específicas quanto a proporcionalidade da medida.
O servidor do Judiciário Federal deve, sim, ser tratado de forma diferenciada, diante do óbvio acesso que tem ao conteúdo de processos, decisões judiciais e no próprio trato diário com os Juízes. Mas, não é razoável que se aplique restrição total a situações que podem ser separadas.Vejam-se os questionamentos abaixo:
- a) Um servidor da Justiça Federal tem algum tipo de ligação/contato/vantagem/ ou acesso diferenciado em processos que tramitam na Justiça do Trabalho?
- b) Um servidor da Justiça Estadual tem algum tipo ligação/contato/vantagem/ ou acesso diferenciado em processos que tramitam na Justiça Federal?
- c) Um servidor da Justiça do Trabalho tem algum tipo ligação/contato/vantagem/ ou acesso diferenciado em processos que tramitam na Justiça Estadual?
- d) Um servidor da Justiça Eleitoral tem algum tipo ligação/contato/vantagem/ ou acesso diferenciado em processos que tramitam na Justiça Estadual, Federal ou do Trabalho?
Se as situações que se apresentaram geram a resposta: “não”, por que a vedação ao exercício da advocacia tem que ser total e não parcial? Há razoabilidade e proporcionalidade nisso?
Há algum tempo, verificamos que às diversas carreiras do Executivo e legislativo, muitas destas com grande poder decisório, é permitido o exercício da advocacia. Veja-se como exemplo o caso dos Analistas do INSS.
“Quem ocupa o cargo de ‘‘analista do seguro social’’ não pode ser impedido de se inscrever na OAB, já que a função é reconhecida apenas como de suporte e apoio técnico. O entendimento, da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, manteve decisão da 6ª Vara Federal de Porto Alegre, que mandou a seccional gaúcha da OAB a conceder nova inscrição a uma técnica do Instituto Nacional do Seguro Social, que quer voltar a advogar. Nas razões em que tentou derrubar o Mandado de Segurança obtido pela autora na primeira instância, a Ordem repisou o argumento de que o cargo é incompatível com o exercício da advocacia, na forma do artigo 28, incisos II e VII, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia). Em síntese, sustentou que essa função tem relevante poder de decisão sobre terceiros. Para os julgadores das duas instâncias, entretanto, o cargo ocupado pela autora diz respeito, essencialmente, à instrução e análise de processos administrativos previdenciários. Logo, não se amolda a nenhuma das hipóteses legais que implicam incompatibilidade para o exercício da advocacia. O relator da Apelação em Reexame Necessário, desembargador federal Cândido Alfredo da Silva Leal Junior, ainda citou precedentes da corte sobre o assunto. Um dos acórdãos, da relatoria da desembargadora Vivian Josete Pantaleão Caminha, lavrado 26 de junho de 2013, anotou: ‘‘Não constitui óbice à inscrição do impetrante no quadro de advogados da OAB a circunstância de ocupar o cargo de Técnico do Seguro Social do INSS, pois compreende atribuições essencialmente de suporte e apoio técnico, nos termos do art. 6º, II, da Lei n. 10.667/03. A investidura em cargo ou função de direção é requisito indispensável para a configuração da incompatibilidade prevista no inciso III do art. 28 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil”. Para Leal Junior, a técnica está impedida de exercer a advocacia, apenas, contra a Fazenda Pública que a remunera, conforme prevê o artigo 30, inciso I, do mesmo Estatuto.”[1](grifei)
O Analista e técnico do INSS tem funções decisórias. Por que os servidores do Poder Judiciário, que não tem função decisória ( esta pertence ao Juiz) estão vedados totalmente de advogar enquanto àquele cargo é vedada advocacia apenas contra a Fazenda que o remunera? Por que para os servidores do Poder Judiciário não se aplica a mesma máxima: “Para os servidores do Judiciário, é vedado o exercício da advocacia apenas contra a fazenda que o remunera”?
Essa seria a correta aplicação da Lei conforme a Constituição, pois não há fator de discriminação razoável e coerente para nos diferenciar das demais carreiras do Executivo e Legislativo.
Assente é o entendimento de que a lei não pode adotar como critério diferencial um caractere tão específico que singularize no presente e definitivamente, de modo absoluto, uma calasse a ser alvo do tratamento discriminatório; bem como, exigi-se que o caractere diferencial adotado, invariavelmente resida no grupo, coisa ou situação a ser discriminada, ou seja, traço algum que não exista nelas mesmas poderá servir de alicerce para submetê-las a regimes diferentes.
Fica claro, pois, que se determinada norma individualiza, de forma atual e absoluta, o seu destinatário está ela, indubitavelmente, violando a regra isonômica, vez que, ou estará dispensando tratamento benéfico a um grupo de individuais, ou estará, por outro lado, impondo encargo sobre uma só classe, sem todavia, prever gravames ou vantagens para os demais. É o caso em que se pode comparar um servidor do Judiciário Federal com um Servidor do INSS.
O art. 28, IV, do Estatuto da Advocacia é inconstitucional porquanto, por afronta ao preceito igualitário, ao acolher situação, para fins de regulá-la distintamente, eventualmente amparou-se em fatores que não guardam pertinência com a desigualdade da disciplina jurídica dispensada.
É cediça a influência negativa da OAB nesse sentido. Aquele conselho de Classe quer, eventualmente, quer proteger (não se discute a legitimidade dessa conduta) a classe de advogados de “concorrência”. Dizem por aí que o servidor do Judiciário teria “vantagens” em relação aos demais advogados. Não dizem, porém, que vantagens seriam estas e se seriam aplicáveis a todos os casos. Retorne-se a um caso concreto para exemplificar: O que um Servidor da Justiça Federal poderia interferir; obter vantagens ou exercer prerrogativas atuando como advogado na Justiça do Trabalho?
Talvez até fosse realmente preocupante aos advogados que não se atualizam concorrer com servidores públicos que estudam, se atualizam, disciplinados e com currículo invejável. Ocorre que ninguém pensou como a Classe ficaria muito mais forte politicamente com a entrada dos servidores do Poder Judiciário e quanto a OAB arrecadaria a mais de anualidades para desenvolver grandes projetos para categoria.
Nesse cenário, entendemos que a lei não elegeu como critério de discriminação qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou acontecimentos eventualmente diferençados que guardassem uma correspondência coerente com a desequiparação que deles resulta, o que me permite afirmar que são discriminações fortuitas e arbitrárias.
Carmem Lúcia Antunes Rocha citada por José Afonso da Silva [2]diz:
“Igualdade constitucional é mais que uma expressão de Direito; é um modo justo de se viver em sociedade. Por isso é princípio posto como pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental”. ( grifei)
Enquanto estávamos na Direção do SITRAEMG ( Gestão 2014/2017) propusemos ação coletiva junto ao TRF1 pedindo a declaração incidental de inconstitucionalidade da incompatibilidade do exercício da advocacia (tramitando); entramos como amicus curie na ADI da ANATA ( tramitando em pleno vigor); elaboramos minuta de PL que foi aceito e está tramitando no Congresso Nacional; nos reunimos com o Vice-Presidente do Conselho Federal da OAB para tentarmos convencê-lo da nossa tese e pedir o seu apoio e fizemos inúmeras palestras para esclarecer aos mais diversos segmentos a nossa tese.
Ocorre que o momento atual é mais do que oportuno para se levantar com mais vigor esta bandeira. A ADI da ANATA que havia sido inadmitida teve um revés em nosso favor. O recurso daquela associação foi aceito e a ADI está tramitando normalmente no STF.
Além da tramitação da ADI, vale lembrar que o atual governo já anunciou o PDV (programa de demissão voluntária) no âmbito do Poder Executivo com possibilidade, inclusive de opção por redução de carga horária e, consequentemente de remuneração. Talvez, se esse PDV chegar ao Judiciário, não seria um “incentivo” ao servidor que “possa advogar”, reduzir a sua carga horária para acumular as funções? Será que esta retórica não convenceria ao Governo a avocar o PL e conseguir sua tramitação e regime de urgência?
Certamente, alguns críticos dirão: não temos que pensar nisso; temos que lutar por “data-base”; temos que “fazer greve”; temos que “enfrentar este governo”. Diremos: esse seria o mundo ideal, mas infelizmente o mundo real não nos permite mais acreditar na materialização desses sonhos. Salvo melhor juízo, precisamos enfrentar a realidade e correr atrás daquilo que é plausível para o momento.
[1] http://s.conjur.com.br/dl/trf-manda-oab-rs-inscrever-tecnica.pdf
[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
* Alan da Costa Macedo, Ex -Coordenador Geral do SITRAEMG ( Gestão 2014/2017), Bacharel em Direito pela UFJF; Pós Graduado em Direito Constitucional, Processual, Previdenciário e Penal; Bacharel em Ciências Biológicas pela UNIGRANRIO; Especialista em Ciências da Saúde; Servidor da Justiça Federal da Subseção Judiciária de Juiz de Fora-MG; Professor de Direito Previdenciário nos Cursos de Pós Graduação do IEPREV; Professor Convidado no Curso de Pós Graduação em Direito Público e do Trabalho da PUC-MG ( 2016); Palestrante e Conferencista.