por Fabio Giambiagi*
O nosso encontro de hoje é para tratar da terceira medida de um “decálogo” de reformas envolvendo mudanças nas regras de aposentadoria. Trata-se da diferença de requisito para a aposentadoria feminina, comparativamente à regra adotada para o sexo masculino.
Sou consciente de que este é um tema sensível e, por isso, esclareço que além de eu ser esposo e pai, minha mãe teve três filhos, portanto conheço a lógica da diferenciação de regras de aposentadoria, baseada na existência do que nenhuma sociedade até agora conseguiu resolver adequadamente: a dupla jornada de trabalho das mulheres. Creio, porém, honestamente, que homens e mulheres do Brasil devem repensar em reduzir a diferença entre as regras de aposentadoria de ambos os sexos. E isso por uma razão simples: as mulheres se aposentam cinco anos antes – mas vivem mais.
Uma olhada na tabela ajuda a entender a questão. No Brasil, uma mulher de 60 anos de idade tem uma expectativa de viver até os 82 anos, enquanto que na mesma época da vida, um homem espera viver, na média, até os 79 anos. A diferença entre um caso e outro é de três anos. Isto é, se homens e mulheres se aposentassem à mesma idade, a mulher receberia a aposentadoria por um número maior de anos. Como, além disso, a mulher se aposenta antes, ela é beneficiada de forma tríplice em termos atuariais, já que a alíquota que paga é a mesma que a dos homens. Primeiro, na contagem do tempo de contribuição ganha um adicional de cinco anos: se contribuiu por 30 anos, tem o seu fator previdenciário contabilizado como se tivesse contribuído por 35. Segundo, se aposenta antes que o homem. E terceiro, vive mais. As regras deveriam se tornar um pouco mais restritivas, minimizando esse conjunto de vantagens. Estamos falando de um favor fiscal, que tem um custo: continuar a permitir que as mulheres se aposentem por tempo de contribuição, conforme indicam as estatísticas, na média, aos 52 anos, implica ter menos recursos disponíveis para atividades importantes que estarão sendo negativamente afetadas pela proporção crescente do Orçamento consumida pela Previdência. A falta de recursos para investimentos é parte desse enredo.
Estamos lidando com um fenômeno moderno. As sociedades vão se modificando e, com isso, surgem novas questões. Debatendo sobre temas interdisciplinares, há um par de anos, um médico me fazia notar que na medicina feminina, as questões ligadas à menopausa não mereciam importância até a primeira metade do século passado, pelo fato de que a maioria das mulheres não vivia até a idade em que essa transformação se verifica. Analogamente, na época dos nossos pais, a aposentadoria das mulheres não era um problema fiscal, porque quase não havia mulheres aposentadas.
Com o passar das décadas, contudo, a participação feminina no mercado de trabalho foi se ampliando e as mulheres foram conquistando seu espaço. Como a trajetória da taxa de participação feminina no mercado de trabalho acaba refletida, 30 anos depois, na curva de evolução das aposentadorias femininas, aquela tendência do mercado de trabalho tem se reproduzido na composição das despesas do INSS. Para que o leitor tenha uma idéia da magnitude desse fenômeno, basta citar um dado: no começo do Plano Real, em 1994, o número de mulheres aposentadas recebendo aposentadoria por tempo de contribuição era da ordem de 300 mil pessoas e hoje é de mais de 900 mil pessoas. Sistemas de seguridade social podem ser generosos sem que isso afete o conjunto, quando se trata de beneficiar pequenos contingentes populacionais. Se há países que adotam uma legislação favorável aos indivíduos com aids, por exemplo, a sociedade aceita de bom grado conceder essa ajuda, não só pela solidariedade em si, como também porque, como apenas uma pequena parte da população sofre da doença, o custo para o sistema é modesto. Quando os favorecidos representam metade da população, porém, o custo da generosidade é muito maior.
Alguém pode alegar que regras diferenciadas em favor das mulheres existem em outras legislações nacionais. É verdade. Porém, é preciso considerar duas coisas. Primeiro, que muitos países que tinham regras diferenciadas estão migrando para a igualdade entre os sexos em matéria de aposentadoria, como é o caso dos países da União Européia. E, segundo, que embora de fato ainda existam muitos países com regras mais favoráveis para as mulheres, isso ocorre em relação a um parâmetro em que as regras de aposentadoria para os homens são bastante rígidas. O caso típico é o de ter uma norma conforme a qual os homens se aposentam aos 65 anos e as mulheres aos 60. O que confere singularidade ao caso brasileiro é que aqui as mulheres podem se aposentar por tempo de contribuição cinco anos antes em relação aos homens que, por sua vez, também se aposentam, por esse regime, muito cedo. O resultado é que, enquanto em diversos países as mulheres se aposentam antes dos homens, mas aos 60 anos, no Brasil podem se aposentar aos 50 ou 51 anos, o que é um exagero.
Qual é a solução? Adotar uma regra pela qual a diferença entre os requisitos para as aposentadorias masculina e feminina diminua dos atuais cinco anos para dois anos, na base de uma redução de um ano a cada cinco anos. Assim, cinco anos depois de uma certa data, a diferença cairia para quatro anos e em dez anos para três, até completar a transição em 15 anos, quando a diferença entre os sexos cairia para dois anos. Trata-se de uma regra razoável, gradual e que afetaria apenas moderadamente as mulheres de meia idade que hoje estão no mercado de trabalho, incidindo mais severamente sobre as jovens – que creio que aceitariam a medida com naturalidade. O país deveria pensar seriamente em uma regra como essa.
Fabio Giambiagi, economista, co-organizador do livro
“Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2004”
(Editora Campus)
Fonte: Valor Econômico