Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria do SITRAEMG.
Alan da Costa Macedo, Coordenador Geral do SITRAEMG, Bacharel em Direito pela UFJF; Pós Graduado em Direito Constitucional, Processual, Previdenciário e Penal; Servidor da Justiça Federal na 5ª Vara da Subseção Judiciária de Juiz de Fora-MG; Professor e Conselheiro Pedagógico no IMEPREP- Instituto Multidisciplinar de Ensino Preparatório; Professor e Coordenador Pedagógico no IEPREV; Professor de Direito Previdenciário no curso de Bacharelado em Direito da FACSUN.
No dia 05 de maio de 2015, foi protocolada o Projeto de Emenda Constitucional 52/15 que visa alterar os arts. 49, 52, 73, 75,84, 101 e 104 da Constituição Federal, a fim de estabelecer que os ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal de Constas da União, bem como os conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios, sejam selecionados mediante concurso público de provas e títulos e nomeados para mandatos de cinco anos.
A proposta é de autoria do Senador da República José Antônio Machado Reguffe e chama a atenção da sociedade quanto o processo de “ ditadura” disfarçado na atual sistemática de nomeação dos Ministros das altas cortes do país.
Como sabemos, os membros das Supremas Cortes são homens públicos, que expressam suas opiniões sobre questões politicamente relevantes e controvertidas para a sociedade. Por óbvio que, no nosso modelo atual de nomeação, o Presidente da República opta, sempre, por escolher alguém que seja, concomitantemente, alinhado à sua visão constitucional e deglutível pelo Senado. Assim, o processo de nomeação pelo Presidente e de confirmação pela sabatina do Senado confere, de certa forma, uma sintonia entre as preferências políticas da Suprema Corte e nos poderes políticos, não permitindo que o Tribunal se mantenha, por longo período contrário a maiorias legislativas (que, em casamento com o executivo, se perpetuam no poder).
É notório que a Suprema Corte não se apresenta apenas com uma mera instituição técnica, mas em instituição política, na medida que decide, sim, questões relevantes em matérias de ordem pública.
Nesse passo, o discurso de que a Corte Constitucional se legitima diante do fato de que sua atuação se restringe a critérios exclusivamente jurídicos é uma grande “ficção” , gerando sérios problemas à democracia.
Os mecanismos que outorgam a um só órgão (Presidência da República) o poder de nomear os ministros cumulado com o sistema de validação meramente formal pelo Senado, não privilegiam a independência judicial, isso é fato.
Todos nós nos demos conta de que a existência de um Poder judiciário forte e independente é uma importante engrenagem de preservação da democracia e dos direitos e liberdades fundamentais. Infelizmente, no Brasil, o que se está vendo a partir da Constituição de 1988 é que o sonho de democracia vem se transformando numa “realística utopia”. O STF, por exemplo, vem se tornando um departamento político especializado do governo, sem autonomia e subserviente aos demais poderes.
O Supremo Tribunal Federal exerce ou deveria exercer o controle de constitucionalidade dos atos normativos, inclusive os emanados do Poder Legislativo e da Chefia do Poder Executivo. No desempenho dessa missão, pode e deve invalidar atos do Congresso Nacional e do Presente da República. Isso significa que os 11 componentes da Suprema Corte, mesmo não sendo eleitos pela maioria (papel contramajoritário) deveriam, segundo a atual regra constitucional (ou o que se sonhou) sobrepor a sua interpretação da Constituição à que foi feita pelos agentes políticos investidos de mandato eletivo e de representatividade democrática.
Esse papel contramajoritário do STF o autoriza a frear e contrabalancear os demais poderes e sua legitimidade democrática advém dos seguintes fundamentos: defesa dos direitos fundamentais, insuscetíveis de rechaça ( com facilidade) pela posição política majoritária (Congresso); proteção do verdadeiro cenário democrático que prevê a participação de todos e não da minoria representativa, que muitas vezes desvirtua a vontade do povo.
Ocorre que a crise de representatividade no legislativo (fato observado em muitos países democráticos) se estendeu ao Judiciário (STF) quando, na sua função protetora do Estado e da ordem democrática, desvirtua-se da sua missão e passa a atuar como um órgão político, ligado não à proteção dos direitos fundamentais (em alguns casos sim, outros não) mas à proteção do erário e do orçamento público.
Inúmeras tem sido as decisões do Supremo que inviabilizam a efetivação de direitos constitucionais sob o fundamento de proteção da economia do país (papel esse que entendemos ser do executivo e legislativo).
Chegamos ao “cúmulo do absurdo” de o STF encaminhar um Projeto de Lei de sua autoria (PLC 28/15- que visa a recompor as perdas salariais dos Servidores do Poder Judiciário Federal), com base na sua autonomia enquanto Poder Constituído, e ver o Chefe de outro poder vetá-lo sob o argumento de “inconstitucionalidade do projeto”.
Ora, mas de quem a prerrogativa de controle de constitucionalidade dos atos dos demais poderes? O mundo está de cabeça para baixo? |
O procedimento Constitucional previsto para um Projeto de Lei daquela natureza tem início pela apresentação de uma proposta feita pelo Supremo Tribunal Federal), segundo a previsão do art. 96 da CF, que assim dispõem:
“Art. 96. Compete privativamente:
(…)
II – ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169:
(…)
b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
Nesse mesmo diapasão, assim diz o art. 99 da Constituição Federal:
“Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.
1º Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.- 2º O encaminhamento da proposta, ouvidos os outros tribunais interessados, compete:
I – no âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos tribunais;
(…)
- 4º Se as propostas orçamentárias de que trata este artigo forem encaminhadas em desacordo com os limites estipulados na forma do § 1º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 5º Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
Ainda nessa temática, na previsão Constitucional, o Projeto é primeiro encaminhado à Câmara dos Deputados, para depois seguir ao Senado Federal, senão veja-se:
“Art. 64. A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados.
…
Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar.
Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.”
No entanto, a ingerência do Executivo sobre a autonomia do Poder Judiciário é tão grande e absurda, que em 2014 a Presidente da República, Dilma Rousseff, cortou unilateralmente a proposta orçamentária do Poder Judiciário e do Ministério Público da União para o ano de 2015.
Na oportunidade, escrevi , em coautoria com os demais colegas do SITRAEMG, artigo indicando que tal ato da Presidência da República poderia configurar ato atentatório à independência dos Poderes, passível, inclusive de impeachement. Tal artigo pode ser lido no link: http://www.sitraemg.org.br/artigo-pedido-de-impeachment-para-dilma-crime-de-responsabilidade-mandado-de-seguranca-neles-a-unica-arma-que-nos-sobra-contra-uma-politica-austera-e-degradante-para-o-s/
A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu liminar nos Mandados de Segurança (MS) 33186 e 33193 para impedir o corte nas propostas orçamentárias do Poder Judiciário. No entendimento da ministra, eventual adequação nos orçamentos de outros poderes e órgãos autônomos deve ser conduzida pelo Poder Legislativo ao analisar o projeto de lei orçamentária anual e não previamente pelo Poder Executivo ao consolidar tais propostas. Segundo a decisão da ministra Rosa Weber nos dois mandados de segurança, o Executivo somente está autorizado a promover ajustes nas propostas enviadas pelos demais poderes quando as despesas estiverem em desacordo com os limites estipulados pela lei de diretrizes orçamentárias. Inexistindo incompatibilidade, não há amparo no ordenamento jurídico para a sua alteração, ainda que sob o pretexto de promover o equilíbrio orçamentário ou obtenção de superávit primário. Ainda segundo a ministra, concluída a fase de apreciação legislativa e submetido o projeto de lei orçamentária anual à Presidência da República há possibilidade de veto total ou parcial.
O deferimento da liminar garantiu que as propostas originais – encaminhadas ao Legislativo como anexo à mensagem presidencial – fossem apreciadas pelo Congresso Nacional como parte integrante do projeto de lei orçamentária. Tal medida, ressaltou a relatora, “assegura o devido processo legislativo orçamentário, reduz o risco de lacuna orçamentária quanto ao exercício financeiro de 2015 e preserva a autonomia” dos entes envolvidos.[1]
No caso do Projeto de Lei Complementar 28/15, depois de ser necessária a ordem judicial para que o Executivo não interferisse no seu encaminhamento na formatação original, as análises pertinentes ocorreram pelas seguintes Comissões: Comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; Finanças e Tributação e Constituição e Justiça e de Cidadania. Em todas aquelas comissões, que têm a incumbência precípua de verificar a regularidade do Projeto, o PLC 28/15 foi aprovado.
Seguindo o Projeto de Lei para o Senado Federal, este determinou a análise do PLC pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que o aprovou quase que à unanimidade.
Em seguida, em votação histórica, o Senado aprovou o PLC 28/15 por ampla maioria.
Ocorre que, no dia, em mais uma atitude desrespeitosa à autonomia do Poder Judiciário e à convalidação pelo Poder Legislativo (que aprovou o Projeto de Lei, depois da análise de Constitucionalidade e adequação orçamentária), a Presidente da República vetou o PLC 28/15 com a seguinte fundamentação:
“A proposta não leva em consideração a regra prevista no art. 37, inciso XII, da Constituição, nem foi precedida pela dotação orçamentária e pela autorização específica tratadas pelo art. 169, § 1º, incisos I e II, da Constituição.” (grifei)
Ora, e a decisão da Ministra Rosa Weber nos (MS) 33186 e 33193 para impedir o corte nas propostas orçamentárias do Poder Judiciário, do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União (DPU) para o ano de 2015? |
O fato do Poder Executivo desrespeitar a autonomia do Judiciário já vem acontecido com certa frequência, mas o que é mais absurdo é o Presidente do STF, ao invés de cobrar tal autonomia com pulso firme, se mostra totalmente subserviente a esses desmandos.
O presidente do STF, Ricardo Lewandosky, está sendo acusado, nas entrelinhas, pela sociedade, pelos servidores do Judiciário e até por Juízes[2] (Carta aberta do Juiz Federa Willian Douglas ao Presidente do Supremo Tribunal ) de partidário ( subserviente) do PT e não representante legítimo do Poder Judiciário.
A mídia jornalística e televisiva, mesmo sendo tendenciosos em desfavor dos servidores, noticiaram o “encontro secreto” daquele Presidente do STF com a Presidente Dilma momentos antes do veto[3], o que aumenta a insegurança da sociedade acerca da independência dos poderes e quanto a manutenção da democracia que se idealizou na carta magna de 1988.
Enfim, é por essas e outras que bato palma de pé à proposta de Emenda Constitucional número 52/15, de autoria do do Senador da República José Antônio Machado Reguffe.
Penso que para tentar moralizar esse nosso país é preciso de uma ampla reforma no Poder Judiciário, que, a meu ver, no sistema de freios e contrapesos, é aquele que mais pode ser servil à sociedade. A sua ação contramajoritária (a que não legitima seus atos pela pesudo representação das maiorias como faz o poder Legislativo) é essencial para a manutenção da ordem, da ética e do respeito aos direitos sociais e fundamentais do país.
É preciso reconhecer a essencialidade de se resgatar a imagem de um Poder com neutralidade política que se paute na argumentação coerente e ponderada dos Direitos Constitucionais e, com isso, obtenha o apoio difuso da sociedade na legitimação do seu Poder e na sua expansão.
[1] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=278801
[2] http://justicaemfoco.com.br/desc-noticia.php?id=106960
[3] http://www.revoltabrasil.com.br/corrupcao-2/6906-jornalistas-destacam-encontro-clandestino-e-secreto-de-dilma-com-lewandowski-em-portugal.html