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Aumentam as tentativas de desmoralização da legislação trabalhista e da Justiça do Trabalho, abusando de argumentos falsos. Semana passada, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou que, ao entrar no mercado de trabalho, os jovens devem escolher: “na porta da esquerda, há a Carta del Lavoro, Justiça do Trabalho, sindicatos, mas quase não há empregos. Na porta da direita, não tem nada disso”.
O ministro critica o despotismo fascista, mas trabalhou para a ditadura de Pinochet, no Chile. Contradição? Talvez não, se lembrarmos das afinidades cada vez mais estreitas entre o neoliberalismo radical e o autoritarismo político. Não procede, de qualquer forma, a acusação de que a legislação trabalhista é fascista e causa desemprego.
As leis trabalhistas estão em vigor desde a década de 1930. Sofreram modificações, mas mantiveram uma estrutura básica. Sob essa mesma estrutura, o desemprego tanto aumentou, como nos anos mais recentes e na década de 1990, quanto diminuiu, como no período de 2006 a 2014 e na década de 1980. Tais oscilações na oferta de emprego devem-se a fatores como o padrão tecnológico de produção e/ou o nível de aquecimento da economia, entre outros – não à legislação trabalhista. E o que prejudica, realmente, os micros, pequenos e médios empreendedores, responsáveis pela maior parte dos empregos, não são normas laborais “hiperprotetoras” dos trabalhadores, mas a carência de mercado consumidor, de crédito viável, de capacitação para gestão, de acesso à tecnologia, além da tributação elevada e irracional.
A principal fonte das leis trabalhistas brasileiras não foi o fascismo, mas a tradição política na qual Getúlio Vargas formou-se, o positivismo gaúcho-platino, que mesclava progressismo socioeconômico e autoritarismo político. Tal mescla foi a principal responsável pela contradição da regulação trabalhista varguista, que no direito individual do trabalho abria-se, progressista, ao trabalhador enquanto operário, mas no direito coletivo do trabalho fechava-se, autoritária, a ele enquanto cidadão. No projeto original de Vargas, tanto as representações de classe obreiras quanto as patronais seriam submetidas ao controle estatal – as últimas, porém, lograram escapar desse domínio.
Nesse controle somente sobre os trabalhadores não estaria a afinidade da CLT com o fascismo? Não. Para os trabalhadores, o fascismo não representou um revés somente no plano coletivo, mas também nos direitos individuais – o salário mínimo, por exemplo, firmemente estabelecido na nossa CLT, não existia no ordenamento fascista, que remetia a questão à livre negociação entre patrão e empregado. Aliás, a negociação direta, pessoal e coletiva, entre patrão e empregado era uma preferência do fascismo. A negociação pessoal era feita por um empregado fragilizado e a coletiva, por sindicatos manietados, dos quais democratas, trabalhistas, socialistas, anarquistas e comunistas já tinham sido afastados por brutal repressão. Ao contrário de nossas instituições, o fascismo dificultava o acesso à justiça laboral. De 1926 a 1938, a Justiça do Trabalho italiana julgou apenas 41 dissídios coletivos. Já os dissídios individuais deviam passar pelos sindicatos antes de serem judicializados. Em 1932, quase 80 mil conflitos individuais foram apresentados aos policiados sindicatos – só 2 mil chegaram à Justiça.
A regulação trabalhista implantada no Brasil não foi perfeita. Além de um direito sindical autoritário, deixou de fora, durante anos, os trabalhadores rurais e domésticos e suas instituições efetivadoras demoraram a se capilarizar pelo país.
Mesmo com esses problemas, suas características positivas predominaram, e atuaram sobre uma sociedade tão carente de ordem, civilidade, justiça, que marcaram a cultura jurídico-política e também o imaginário e as aspirações populares. Representaram um ganho civilizacional. Um ganho na luta contra o que Joaquim Nabuco chamou de “a obra da escravidão”, a terrível herança de um país formado na boçalidade da exploração sem lei, desenfreada. A “obra da escravidão”, disse Nabuco, apodrecerá o país em todos os sentidos: material, moral, institucional. Lutar contra ela seria tarefa de muitas gerações.
Estamos nessa luta.
Rubens Goyatá Campante
Servidor do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região
Doutor em Sociologia pela UFMG