¹Bacharel e Licenciado em Ciência Biológicas; Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Pós Graduado em Direito Constitucional, Processual, Previdenciário e Penal; Pós Graduando em Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos; Servidor da Justiça Federal em licença para Mandato Classista, Ex-Oficial de Gabinete na 5ª Vara da Subseção Judiciária de Juiz de Fora-MG; Coordenador Geral e Diretor do Departamento Jurídico do SITRAEMG; Ex- Professor de Direito Previdenciário no Curso de Graduação em Direito da FACSUM; Professor e Conselheiro Pedagógico no IMEPREP- Instituto Multidisciplinar de Ensino Preparatório; Professor e Coordenador de Cursos de Extensão e Pós Graduação do IEPREV; Professor de Direito Previdenciário dos Cursos de Pós Graduação em Direito Público e do Trabalho da PUC-MG.
A Câmara dos Deputados aprovou, na última quarta-feira, dia 22/03/2017 por 231 votos a favor, 188 contras e 8 abstenções o projeto de lei que autoriza o trabalho terceirizado de forma irrestrita para qualquer tipo de atividade em trabalho temporário.
O projeto de Lei 4.302/98, elaborado no governo de Fernando Henrique Cardoso do PSDB foi “desenterrado” para uma “votação surpresa” sem que as entidades de classe, sindicatos, representantes da sociedade civil tivessem tempo e pudessem se manifestar sobre o Projeto. Infelizmente a crise de representatividade no Brasil está cada vez mais acentuada, já que a vontade da maioria não se perfaz nas leis que são aprovadas.
A incoerência da aprovação do PL 4302/98 foi tão evidente que atropelou o fato de estar pendente no Senado a votação do outro PL análogo, o de nº 4300/2004 que mantém, entre outras garantias à classe trabalhadora, a responsabilidade solidária do contratante. No PL aprovado na câmara a responsabilidade é apenas subsidiária.
Os principais pontos do 4.302/98 são os seguintes:
- A terceirização poderá ser aplicada a qualquer atividade da empresa, limitado aos contratos temporários de trabalho. Por exemplo: um hospital poderá terceirizar faxineiros (atividade-meio) e médicos (atividade-fim) se seus serviços forem exigíveis em função de demanda temporária de prestação de serviços;
- A empresa terceirizada será exclusivamente responsável por contratar, remunerar e dirigir os trabalhadores, não recaindo qualquer responsabilidade sobre a contratante da terceirizada nos contratos temporários;
- Independente do ramo da empresa tomadora de serviços e da “primazia da realidade”, segundo o PL aprovado, não existe vinculo de emprego entre ela e os trabalhadores temporários contratados pela terceirizada;
- É apenas facultado e não obrigatório a empresa tomadora de serviços temporários a extensão ao trabalhador da empresa terceirizada o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existente nas dependências da contratante, ou local por ela designado;
- O art. 5º-A do PL 4302/98 dá a entender que até mesmo as Pessoas Jurídicas de Direito Público poderão terceirizar as suas atividades-fim quando demandarem serviços temporários;
- O tempo de duração do trabalho temporário passa de até três meses para até 180 dias, consecutivos ou não;
- Após o término do contrato, o trabalhador temporário só poderá prestar novamente o mesmo tipo de serviço à empresa após esperar três meses.
Dentre os 188 votos contrários ao texto do PL 4302/98, muitos foram de deputados governistas que apesar de aliados ao governo, foram cobrados por sua base e votaram contra o PL.
Atualmente, não há legislação específica para regular a terceirização de forma irrestrita e entendemos que esse PL 4302/98 não supre essa lacuna, valendo apenas para contratos temporários. O entendimento da Justiça do Trabalho é que a prática só é possível em atividades secundárias das empresas, também chamadas de atividades-meio. Atualmente, não são terceirizados trabalhadores das atividades-fim (as atividades principais das empresas).
A dicção de que a terceirização da atividade-fim só é permitida em contratos temporários advém da boa técnica de interpretação teleológica das normas. Vejam-se o primeiro trecho do PL 4302/98:
“ O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º Os arts. 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 9º, 10, o parágrafo único do art. 11 e o art. 12 da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, passam a vigorar com a seguinte redação:”
Como se pode ver, o legislador quis alterar apenas dispositivos da Lei 6019/74 que é especifica em relação ao contrato de trabalho temporário.
Não só por este argumento, o legislador foi expresso no parágrafo 3º do art. 9º do PL 4302/98 quando disse:
“§ 3º O contrato de trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento de atividades-meio e atividades—fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços. ” (Grifei)
Uma preocupação legítima de boa parte dos operadores do Direito é com a substituição de mão de obra permanente pela temporária pelos empregadores com o objetivo de fugir dos encargos do contrato permanente.
Nesse sentido, observem-se a confusa redação do art. 2º do PL 4302/98:
“Art. 2º Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços. (Grifei)
A redação do artigo acima leva a crer que a empresa poderá demitir boa parte do seu pessoal do quadro permanente e contratar trabalhadores de empresa de trabalho temporário terceirizada apenas com a justificativa de “substituição transitória de pessoal permanente” e ficar substituindo o quadro de trabalhadores permanentemente.
Ocorre que, a nosso sentir, o Ministério Público do Trabalho deverá fiscalizar tais condições a fim de que os princípios que norteiam as relações de trabalho e a interpretação sistemática das normas trabalhistas conforme a Constituição Federal sejam asseguradas.
O Próprio Projeto de Lei 4302/98 coloca restrições a serem observadas na contratação de trabalho temporário, senão vejam-se:
“§ 1º O contrato de trabalho temporário, com relação ao mesmo empregador, não poderá exceder ao prazo de cento e oitenta dias, consecutivos ou não.
§ 2º O contrato poderá ser prorrogado por até noventa dias, consecutivos ou não, além do prazo estabelecido no § 1º deste artigo, quando comprovada a manutenção das condições que o ensejaram.
§ 3º O prazo previsto neste artigo poderá ser alterado mediante acordo ou convenção coletiva.“
Observem-se que é ônus do empregador “ comprovar” as condições que permitem a prorrogação do contrato de trabalho e tal comprovação certamente será objeto de questionamentos judiciais.
A péssima redação legislativa pode ser observada no parágrafo terceiro acima transcrito. Ora, o artigo a que se refere não coloca prazo algum, o que o legislador quis dizer é o prazo do parágrafo primeiro. Noutra monta, entendemos que permitir à convenção coletiva dispor sobre o prazo de contrato temporário é um atentado ao Direito do Trabalhador que ficará a mercê das negociatas com as quais muitas vezes não concorda.
“§ 5º O trabalhador temporário que cumprir o período estipulado nos §§ 1º e 2º deste artigo somente poderá ser colocado à disposição da mesma tomadora de serviços em novo contrato temporário, após noventa dias do término do contrato anterior.”
Como se pode observar, o legislador criou “brecha” para recontratação do mesmo funcionário temporário indefinidamente, porém restringiu tal contratação a três meses da data da última contratação. Tal óbice será facilmente resolvido por conglomerados de empresas que pertencem a um mesmo grupo. Mantém-se o funcionário, mudando-se apenas formalmente o contratante. Os operadores de direito terão que ficar atentos as possíveis burlas ao contrato de trabalho decorrentes desse permissivo.
No caso do Servidor Público, apesar de possível a exoneração daquele e contratação de mão de obra temporária, pensamos que seja mais difícil justificar a “necessidade de substituição transitória de pessoal permanente”. No entanto, estando o Estado em falência fiscal e com a crise de representatividade do Congresso Nacional que se está a vivenciar, bem possível que a Administração Pública diga que não tem recursos para manter os servidores efetivos e com o supedâneo da recém aprovada PEC 55 (Teto de Gastos) e do PL 257/2016 (em tramitação) , aproveite-se do permissivo contido nesse PL 4302/98 para substituir os servidores por mão de obra temporária e terceirizada, o que seria, a nosso sentir flagrantemente inconstitucional.
Enfim, a sequência de normas que vem sendo implantada pela coligação PMDB/PSDB são um prenuncio da implantação de um modelo neo-liberal de Estado. A crise de representatividade em relação aos Parlamentares é notória quando o Governo Federal ( que tem maioria no Congresso Nacional) anuncia publicamente que não está preocupado com a “ popularidade” de suas ações.
É preciso unificar as forças. Esquecer o divisionismo criado entre “coxinhas” e “ mortadelas” (apelidos que criaram entre si) e entender que somos todos oprimidos por um mesmo carrasco. Deixemos de apontar “ o dedo” para quem errou. Unamos forças. Vistamos a camisa que quisermos, mas estejamos juntos contra a retirada de direitos a duras penas conquistados.
Assim que soubemos da aprovação desse PL na câmara, pedi ao Jurídico que preparasse um Mandado de Segurança Urgente para apontar vício formal no Processo Legislativo e com isso conseguir a suspensão da tramitação do PL antes do sansão presidencial. Estaremos distribuindo esse remédio até a próxima quarta feira e já temos deputados interessados em assinar. Independente disso, já estamos também preparando a ADI a ser oferecida para Partido Político que a aceite.