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No dia 05 de novembro de 2016, o mundo assistiu ao maior desastre socioambiental da história do Brasil. Ficamos todas e todos consternados com o rompimento da barragem de rejeitos de propriedade da Samarco, joint venture da Vale e da BHP Billiton. Além de ter causado a morte de 20 pessoas, o desastre destruiu o rio Doce, afetando o modo de vida de muitas comunidades que viviam de suas águas em relação de dependência, exercendo atividades relacionadas à pesca, à agricultura, à extração de areia etc.
Discorda-se das informações oficiais que dão notícia de 19 mortes humanas, uma vez que uma das moradoras de Bento Rodrigues que sobreviveu à tragédia estava grávida e, em decorrência do trauma a que foi submetida, sofreu um aborto, o que eleva para 20 o número de mortes.
Defende-se a utilização do termo desastre, para designar o acontecimento, sem que seja acompanhado do adjetivo “natural” ou, ainda, em contraposição ao termo “acidente”, em razão de o evento não decorrer de fatores relacionados à natureza. Tampouco resultou de uma situação imprevisível, ligada ao acaso, o que se afirma diante, por exemplo, do laudo do Instituto Prístino que em 2013 recomendavam uma série de ações de segurança a serem adotadas pela empresa diante da precariedade de seu sistema de gestão de risco. A corroborar tal afirmativa está o descumprimento do programa de gerenciamento de riscos, elaborado pelas engenheiras e engenheiros da própria empresa, que em conduta omissiva deixou de instalar equipamentos de segurança na estrutura do maciço, tal como determinado pelo programa em questão.
Fato é que rompimento da barragem da Samarco decorre de uma série de falhas humanas, previsíveis “a priori”, o que descaracteriza, portanto, a “naturalidade” do evento.
Feita essa digressão, é importante considerar que as empresas responsáveis pelo acontecido, na tentativa de eximirem-se de sua culpabilidade e de resgatarem sua imagem perante a opinião pública, valem-se de um lugar de fala que as coloca em posição de vítimas, o que vem sendo corroborado e incentivado pelo Estado brasileiro desde o estopim do desastre. Não é por outro motivo, por exemplo, que se editou o Decreto 8.572, de 13 de novembro de 2015, o qual considera “como natural o desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa”, permitindo a movimentação da conta do FGTS “por motivo de necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorram de desastre natural”.
Sorte do povo deste país que a unidade dos órgãos governamentais não impede que mentes dissonantes, contrárias à naturalização dos efeitos nocivos de um acontecimento que possui autoria humana delimitável, atuem efetivamente para que outros desastres não aconteçam.
Nesse sentido, o Ministério Público do estado de Minas Gerais lançou em 29/03/2016 a campanha “Mar de Lama Nunca Mais”, que teve por objetivo elaborar e colher assinaturas em projeto de lei de iniciativa popular “para estabelecer normas de segurança para as barragens destinadas à disposição final ou temporária de rejeitos de mineração no Estado”. Hoje, 05 de julho de 2016, quando completaram oito meses do início desse desastre, o projeto foi entregue em sessão solene na ALMG, subscrito por 56.308 mineiras e mineiros, distribuídos entre 737 municípios do estado.
O descaso com que o Estado brasileiro trata o tema ambiental pode ser sentido não apenas mediante a análise de seu discurso, por meio do qual pretende mitigar os impactos e a responsabilidade das empresas, sendo também visível, ao se considerar o trato destinado a servidoras e servidores dos órgãos ambientais, incumbidos de prevenirem que novos eventos perniciosos aconteçam.
As trabalhadoras e os trabalhadores que exercem seus cargos junto ao Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – SISEMA – estão em greve desde 20/06/2016, lutando contra a precarização de suas condições de trabalho e contra o assédio moral a que estão submetidos. Reclamam, ainda, que têm sofrido atraso em relação ao pagamento de salários, denunciando que o SISEMA possui estrutura e quadro de funcionários deficitários.
Para prevenir que a lama invada novamente os rios e os mares, é necessário rever todo o sistema. Um primeiro passo, contudo, foi dado pelo Ministério Público no dia 29/03/2016 quando deu início à campanha (e à palavra de ordem): MAR DE LAMA NUNCA MAIS!