Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria do SITRAEMG.
Participei do 9º CONGREJUFE e voltei de Florianópolis com uma efervescência de ideias: oportunamente, permitirei trazê-la a lume e à exposição crítica com o fito de construir, se possível juntos, novos paradigmas.
Apenas em sede de argumentação, trago esta breve reflexão sobre a (in) exigibilidade da compensação da hora débito gerada em função da greve.
Abstraindo-se puramente do mundo jurídico presente (questões de Direito Publico ou de Direito Privado) imagine a seguinte hipótese:
– você tem uma secretária e está obrigado pelas normas a revisar a remuneração dela: você não concede a revisão; ela conversa, tenta de todas as formas convencê-lo e você está irredutível; ela busca os meios legais para que você reveja o seu posicionamento: recorre, por exemplo, ao Poder Judiciário; o Juiz reconhece-lhe o Direito.
A sua secretária usou de meios legítimos para garantia de seu Direito e, portanto, o ônus é seu e o bônus, dela.
A partir daí, imagine um, dois, três, dezenas, centenas e milhares de pessoas a usarem meios legítimos para garantia de direitos/remuneração/proventos. Esse grupo de milhares de pessoas, depois de muito diálogo, percebe que a melhor forma ou talvez, a única saída, é a greve.
Paralisa as atividades por vários dias, na esperança de que, ao menos, parte de suas reivindicações sejam atendidas. Só que agora, mutatis mutandis, a figura do empregador é o Governo Federal.
No caso dos servidores públicos, o regime de seu direito não deriva, simplesmente, de um contrato, mas de norma máxima, ou seja, da própria Constituição.
A regra constitucional é a de revisão dos índices e, em tese, houve a omissão, gerando perdas diante da inflação – prejuízos para servidores; a CRFB e os Códigos Civis preveem a hipótese de indenização tanto pelo dano moral quanto pelo material para reparação de prejuízos.
Se todos os grevistas são servidores de um mesmo Poder, é possível discricionariedade no tocante à compensação de horas?
Como foram construídas tais regras?
Doutra margem, como explicar a concessão de benesses para os servidores de outros Poderes (e até mesmo, por exemplo, de auxílio moradia), se estamos numa fase de contenção de despesas?
A solução individualizada para um problema gerado em virtude um direito exercido de forma coletiva, s.m.j., está a merecer novas análises e novas luzes, sob pena de ofensa aos princípios da transparência, da isonomia, da ética e outros mais.
O Direito é uma construção humana, com matiz próprio de cada época.
_ Agora, imagine uma Seccional com 10 servidores, trabalhando 7 horas diárias: durante 1 dia, teremos, coletivamente, 70 horas de trabalho.
No caso de um dia de greve, permanecendo 40% dos servidores, teremos 6 grevistas e um saldo de 42 horas negativas e de 28 horas positivas.
Os grevistas saem de casa, mudam a rotina, vão à Brasília/Belo Horizonte a lutar pelo bem de todos.
Se dividirmos o acervo de 42 horas negativas, partindo do pressuposto de que todos estão unidos a trabalhar em prol do mesmo objetivo, ou seja, melhores condições de trabalho e ou salários para todos, teremos um rateio das horas negativas entre pessoas de boa vontade, totalizando 4,2 horas per capita e não 7 horas. (Há de se convir que isto representa uma grande redução no saldo negativo individual).
Saliente-se: aquele que ficou no local trabalhando não tem hora débito: porém, o grevista que defendeu o interesse de todos, s.m.j, ficou penalizado com um banco individual de horas débito.
Por outro lado, se a greve é um direito subjetivo do servidor, de exercício coletivo, a negociação individual de servidor por servidor, enfraquece o movimento paredista, pois fomenta o medo nos subalternos, deixando-os a mercê da própria sorte; aparece a figura do livre arbítrio de cada administrador, gerando desigualdade de tratamento entre aqueles que, s.m.j., estão em situações semelhantes.
Assim, se o exercício do direito é coletivo, a solução também deverá ser coletiva.
Deverá haver, no mínimo – uniformidade de prazo e de forma – para pagamento das horas entre os tribunais, seções e subseções.
O banco de horas (ou de tempo) como um todo da Seccional, permitirá a solução coletiva em nível local, com a participação de todos, sem exceção, vez que o critério para pagamento de horas será objetivo, definido previamente com os representantes da categoria.
Ilustrativamente, dada a necessidade de avaliação ergonômica dos postos de trabalho, uma hora de trabalho, por exemplo, juntando petições, terá equivalência máxima de juntada de 06 documentos de 10 páginas, ou seja, 60 páginas, não podendo ser exigido outro quantitativo, mais prejudicial; minutas de decisões, sentenças tipo 1 e 2 etc. _ cada tanto _ terá uma equivalência máxima de hora, aplicável a todos, exceto, se houver algum tipo de deficiência física.
Dessa forma, o movimento estará fortalecido e evitará provável e futuro assédio; haverá critério objetivo de análise e de interpretação, com tratamento isonômico entre aqueles que ficaram sentados (até mesmo em seu comodismo) e aqueles que foram em busca de melhores condições de trabalho para todos, indistintamente!
É sensível também a necessidade de aplicação de critério de proporcionalidade de dias de greve versus dias para pagamento e quantitativo máximo de horas extras possíveis, dada a especificidade de cada local, além do cômputo de ausência referente ao período de férias (e ainda, de voluntários do Banco de Tempo, se for o caso).
Quanto à exigibilidade de cumprimento das horas sob pena de corte de ponto suscito as seguintes indagações:
– o movimento foi julgado ilegítimo?
– Foram cumpridas as normas quanto à realização das respectivas assembleias sindicais e à deflagração do movimento?
– Se o servidor está no exercício legitimo de um direito, em face da inadimplência de seu empregador, ainda assim ele deverá cumprir essas horas negativas?
– o Servidor em estágio probatório será considerado faltoso ao participar da greve, vez que está no exercício legítimo (e coletivo) de seu direito?
– dada as especificidades de cada juízo, o tempo para pagamento das horas foi suficiente?
– Em caso de critérios outros e transcurso do prazo previsto pelas Portarias, o servidor será penalizado?
Por outro ângulo:
– que sistema é este que permite que o réu exija a satisfação da obrigação que ele entende devida, em curto prazo por parte do autor, enquanto ele, inadimplente, causador de todo desgaste, se dá o direito de cumprir a sua obrigação em vários anos? É lógico isto?
– Como exigir da parte credora, ou seja, do servidor, a satisfação de um “alegado” prejuízo (compensação de horas de greve) se a culpa exclusiva da realização da greve foi do empregador?
– Qual a justificativa para se auferir hora débito de forma individual, se o beneficio é coletivo e o movimento também?
– O modelo atual, realmente, reconhece o direito de greve?
– Se é individual, com exercício coletivo, a ausência do servidor ao movimento paredista (e a ausência de hora débito também?) não deveria ser interpretada e formalizada como renúncia ao seu direito à recomposição de forma individual?
– Dizem que o Direito é um sistema de equilíbrio de forças e de Justiça: a inadimplência do empregador, o qual concederá parte da recomposição em anos e a exigência antecipada das horas (pagamento em exíguos meses) é justa? Onde está o equilíbrio?
– Será justo obrigar ao pagamento das horas débito, em virtude do exercício de um legitimo direito?
– O que justifica exigir dos servidores tal compensação antes mesmo do Governo ter cumprido o seu dever a que está constitucionalmente obrigado?
– Se existe a obrigação de compensação de hora débito ela não deveria ser adimplida, no mínimo, no mesmo prazo da reconhecida recomposição?
Assim, feitas tais elucubrações, submeto à análise e críticas.